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domingo, 20 de abril de 2014

No dia do adeus, até o futebol ficou em silêncio...

Um minuto de silêncio nunca foi tão gritante e triste como neste domingo em Uberlândia. Um minuto de futebol, jogadores de Corinthians e Atlético disputavam a bola, armavam jogadas, ao fundo o som ambiente do estádio e nenhuma voz por um minuto exato. Téo José teve uma sensibilidade única para homenagear a partida do grande Luciano do Valle

A partida entre os dois últimos campeões continentais, apesar do placar não foi ruim, ambas equipes lutaram pela vitória, criaram chances, mas não conseguiram marcar o gol. Talvez seja uma própria “armação” da bola, como se o esporte tivesse sua própria inteligência, fosse um ser a parte e decidisse, hoje também vou me silenciar, não haverá grito de gol, estou em luto. Acredito que foi assim mesmo...

Se ás lágrimas de Pietro no Morumbi lavaram a alma tricolor com três gols, o silêncio de Téo foi a tônica de um domingo diferente, triste e difícil para todos os apaixonados pelo esporte.

No dia do adeus, até o futebol ficou em silêncio, em luto.

Fique em paz Luciano do Valle.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Realidade na bala

Ary estava ansioso, transpirava muito e estava sempre olhando o relógio antigo na parede da antiga cafeteria no centro da cidade. Fim da primavera, um calor quase infernal, uma música que não gostava tocando ao fundo e um copo de água muito gelada com gás. O corretor de imóveis, vestia uma camisa clara, salmão, (cor da moda), jeans e um sapato muito bonito, bico fino, preto. O relógio batia quase 18 horas, seu expediente já havia acabado sem nenhuma venda.

Aos 41 anos, tinha uma filha, fruto de um relacionamento no fim da adolescência, a moça estudava direito na capital, onde a mãe também morava. Quase não via a futura advogada, profissão que sonhou, mas abandonou os estudos. Tinha um irmão mais velho e uma cunhada bem de vida, que ás vezes o convidava para almoços nos fins de semana. Não tinha mais seus pais, mas muitos amigos, era músico nas horas vagas e tocava bateria.

No fim daquela tarde esperava sua ex-mulher, ansiedade e medo, agora na porta da cafeteria acende o cigarro, Débora está atrasada como sempre. Ela odeia cigarro e bebida. O sol ainda está quente, horário de verão, a praça está movimentada. Na exuberância de seus 32 anos, a morena é linda e geniosa, sonhava em ser mãe, mas não conseguia engravidar, formada em arquitetura, mas trabalhava na mesma profissão do ex-marido. Filha única de um casal querido na cidadezinha, ela havia meses antes terminado o casamento, mudado de imobiliária e pintado o cabelo.

Era uma sexta-feira, dois dias antes, Ary recebeu uma ligação marcando o encontro. Em sua apaixonada cabeça acreditava em uma reconciliação, em dois meses havia gostado da vida de solteiro, das noites, cervejas e mulheres, mas sentia falta de Débora, ele nunca havia amado uma pessoa na vida como amava a ex-mulher.

Tomou mais um café, folheou um jornal de sindicato quando avistou Deborah entrando e vindo em sua direção. O coração acelerou, o sorriso dela o amolecia, estava ainda mais bonita, um perfume diferente e um beijo carinhoso na face. Perdido em assunto de amenidades, não conseguia esconder o amor. Ela falava bastante, contava da viagem que havia feito para o nordeste, dos planos de trocar de carro, do curso de espanhol e das piadas do pai, que ele sempre ria com gosto e ela por carinho. Contou em meio a conversa que sentia saudades de sua companhia, cumplicidade, das noites de música e bebida e até sentia um pouco saudades também do cheirinho de cigarro que ele tentava esconder da boca.

Ary tentou um beijo, Débora não correspondeu. Olhou no fundo dos olhos dele, pediu desculpas e disse que havia terminado a história entre eles. Foi direta e disse estar envolvida com outra mulher, nada mais nada menos que sua melhor amiga, uma linda oriental que costumava frequentar não só a casa da cidade, mas também a de praia em dias como aquele, quente, quase verão. Débora ficou preocupada com a reação que seu em seguida... Ary acendeu outro cigarro, deu gole rápido no café quente, levantou e saiu sem falar uma palavra e nem pagar o que devia na cafeteria. Ela sabia que o "ex" tinha um bom equilíbrio emocional, por isso, ficou ainda mais preocupada, quando o viu andando a esmo, sem direção, sem uma única reação no rosto, nem uma lágrima, silêncio.

Nos dias seguintes ligou, foi até a casa de Ary, falou com a filha em São Paulo, os amigos mais próximos, nenhuma notícia.
Abandono de emprego, família em desespero, nenhum hospital, nada de corpo, nenhum sinal. A pequena cidade lamentou o destino de Ary, que era muito querido. Todos lembravam com saudades do corretor, a filha chorou muito, mesmo distante, gostava do pai. Seu irmão não se conformava e gastou muito dinheiro na busca pelo caçula e todos os dias pedia desculpas em seus sonhos por ter ficado tão distante. O relacionamento de Débora sentiu a ausência de Ary. Meses depois, sua companheira voltou para a capital, teve que voltar a viver com os pais e mudou de emprego, sentia um misto de saudades, tristeza e raiva por ter sido tão franca, direta e não ter tentado impedir de levantar e sair andando.

O tempo acabou passando rápido demais, anos depois da ausência, Débora já havia perdido o pai contador de piadas e vivia com a mãe, ambas quase não saiam de casa, sempre pediam pizza e Deborah havia adquirido o hábito de fumar e muitos quilos. Relacionou-se com outras mulheres e também alguns homens, mas não conseguia levar nenhum relacionamento, estava sempre perdida, presa em um passado que lhe torturava a alma.

Em uma tarde de carnaval, Débora cochilava em uma rede na garagem de sua confortável casa no centro da cidade, ouviu a campainha tocar, levou um breve susto, graças ao reflexo do sol, podia ver apenas a sombra de um casal, com roupas que pareciam túnicas, disse que não pretendia comprar incensos ou livros. Quando o vendedor de longe insistiu para que ela conhecesse sua obra, ela sentiu um arrepio em todo o corpo e caminhando bem devagar foi até o portão, ao chegar, quase desfaleceu...

Ary mais magro, completamente careca, havia se convertido ao budismo e levava um presente ao seu antigo amor, vestido com a túnica colorida e uma simples sandália de dedos.

Débora não disse uma palavra. Em silêncio entrou novamente em casa, quando voltou, não esboçou nenhum sorriso, nem uma reação, apenas atirou na cabeça do ex-marido. Seu corpo caiu ali mesmo, sem vida, de fato.

Sem tremer, sem olhar para os lados, andou alguns metros pela rua da pacata e chocada cidade, as pessoas que viram a cena pareciam anestesiadas como Débora, ouviam uma voz tranquila e clara dizendo as seguintes palavras, “finalmente, agora sim, matei o infeliz”.

Dizem que ela emagreceu, remoçou, voltou a ficar bonita e está muito feliz em sua prisão real.