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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O Mundo de Juvenal

Juvenal quase não tinha amigos, pouco conversava com seus irmãos, esquecido muitas vezes, era apenas um corpo magrelo que pedia bênção e apanhava sem motivos. Tinha apenas um par de sapatos velhos, uma sandália achada na rua e poucas trocas de roupas. Seus óculos eram doados por uma igreja, mas ele não sabia rezar e fugia das missas.

Tinha medo das brincadeiras de rua, não gostava de falar muito, nunca havia tentado andar de bicicleta e também nunca havia chutado uma bola de futebol. Na escola, só pensava na merenda, sentia verdadeiro temor da professora que sempre gritava, tinha vergonha em não entender o que a maioria das pessoas falavam.

Havia apenas um lugar onde sentia-se bem, onde vivia sua felicidade, ouvia, entendia,conversava, era seu momento de alegria maior, as águas do rio que cortava sua pequena cidade... Brincava com os peixes, imaginava grandes e mágicos seres vivendo nas águas, nadava muito bem, conhecia cada parte, era como se ele próprio fosse parte do rio. E mesmo, quando outras pessoas, adultos ou crianças, compartilhavam do seu lugar, ele parecia alheio, não notava ninguém, era seu mundo.

Um dia, Juvenal, aos nove anos completos, desapareceu nas águas. As pessoas demoraram muito para perceber. Nenhum colega, nenhum irmão, até mesmo a mãe, que apenas sentiu falta, pois não tinha recebido o pedido de bênção e já pensava em castigar o menino esquisito.

Juvenal apenas voltou para seu mundo de água, em paz, para trás, deixou apenas o sofrimento

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

João

João cansou…

Cansou de ser o “João” do Mané, de correr para nada e cair sentado. Cansou de ser o palhaço, o velho pinguim de geladeira, o pobre desgraçado que sobrevive de migalhas de atenção, coadjuvante coitado, sorrindo para ninguém, calado

Cansou de levar sempre o mesmo drible, o lado direito. Não tem respeito, caiu como idiota, aplausos irônicos, um Maracanã de risos, uma foto humilhante, sente na alma o desprezo, a indiferença, olhando para o nada, derrotado

João cansou e reagiu…

Deu uma pancada violenta, assassina, no joelho da sua vida. Cuspiu no algoz, sentiu a hombridade da vaia, a expulsão gloriosa, a desforra como poderia ser, sem teatro, sem meias palavras

Desceu pelas escadarias do velho vestiário, recompensado pelo ódio alheio, com a camisa ainda suada de um esforço agora verdadeiro, um troféu vermelho, vivendo para sempre, pleno, consciente, perdendo ou vencendo.

João deixou de ser o “João” do Mané.