terça-feira, 22 de maio de 2018

Ana Júlia

Ana Júlia não era a música, era agora um número, mais um número sem cor, reação ou vida. Não era mais a menina bonita que na infância tinha festinhas da Xuxa e da Moranguinho, também não era a adolescente apaixonada por “New Kids oh the Block “ e que na escola distribuía seu caderno de perguntas aos amigos e principalmente ao paquera da sétima série. Ana Júlia agora é número.

Estudou, brincou, jogava vôlei, juntou muitas economias para comprar seu primeiro telefone móvel, adorava ir a balada nos finais de semana, aprendeu a beber, fumou “Gudan”, pulou carnavais no clube, teve namorados, e adorava comida mexicana...

Até que conheceu alguém, que tocou seu coração. Era de outra cidade, um “moço bom”, diziam suas tias, o “gente boa, amigão”, segundo seu irmão e primos, o “genro dos sonhos, o cara ideal... Não gostava de sair muito, não comia no “mexicano “ e aos poucos foi mostrando que não era apenas seu carro do ano, sua casa na praia ou a conta bancária que era sua, Ana Júlia também.

Então, na primeira discussão veio a primeira ofensa, depois entre outras, um empurrão até um forte tapa no rosto.

Ana Júlia passou a viver um relacionamento abusivo. E não sofria apenas dores físicas. A psicológica era como um mar, que a separava da família, dos amigos, da vida que tanto amava . Era uma mulher aprisionada no medo, não conseguia romper o silêncio que a calava, vivia o terror como se fosse um dia comum. Não foram apenas tapas, os estupros passaram a ser parte de sua vida. Sua única luz era a bebida ou mesmo algum calmante que comprava escondido.

Uma noite acabou perguntando sobre uma amiga que sempre ligava para ele... Acabou sendo espancada mais uma vez, naquela noite, ela contaria sobre sua gravidez, mas não conseguiu, mais uma vez humilhada, em estado de choque, com o coração em frangalhos, escolheu ter uma noite mais longa de sono, e não tomou apenas calmantes...

Após a surra, ele não ficou para dormir em sua casa, ele não estava lá na manhã seguinte, aliás, ele desapareceu por um bom tempo. Ana Júlia dormiu para sempre, virou mais um número, de um país que está matando suas mulheres.

Estatísticas apontam que a cada uma hora e meia, morre uma mulher vítima de feminicídio no Brasil.

Que tenhamos menos números e mais Ana Julias da música...

Não se cale diante da violência contra a mulher.

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